EDUARDO VESSONI
Colaboração para o UOL, de Cabaceiras *
Parece até coisa de cinema. Um casario colorido que recorta o marrom árido do Cariri paraibano; um bode que é rei e um dos mais respeitados símbolos da região; uma paisagem seca que se veste de verde em épocas de chuva e transforma aquele território em um dos cenários mais surpreendentes de toda a Paraíba.
O letreiro em letras garrafais na entrada da cidade onde se lê 'Roliúde Nordestina' não deixa dúvida: o visitante acaba de chegar a mais cinematográfica das cidades brasileiras.
Localizada a 166 km de João Pessoa, em pleno semiárido paraibano, a pequena Cabaceiras é a principal estrela do interior daquele estado. Suas casas bem preservadas do século 18 e o baixo índice anual de chuvas transformaram essa simpática cidade de 5 mil habitantes na 'Roliúde nordestina'. Entre documentários e longas metragens, a região já contabiliza mais de 30 produções.
A população local dona de uma simpatia única e o centro histórico dessa cidade onde o tempo parece não ter vontade de seguir adiante foram a inspiração (e cenário) para filmes nacionais como 'O Auto da Compadecida', 'Cinemas, Aspirinas e Urubus', 'O Romance' e 'Canta Maria'.
Quem passa diante do casarão onde Maria Odacide Barros mora com a família nem imagina que o salão do interior dessa construção de 1893 abrigou o bar que ambientou cenas hilárias entre Vicentão e o medroso Chicó, interpretados, respectivamente, pelos atores Márcio Garcia e Selton Melo na minissérie 'O Auto da Compadecida', dirigida por Guel Arraes.
“Na época das gravações era tudo bem melhor por aqui. A cidade toda se animava e era muito comum encontrar os atores nas ruas e nos bares”, relembra, nostálgica, a filha Janine de Barros.
Para a secretária de turismo local, Jovineide Pereira Ribeiro, a obra foi um divisor de águas para a cidade, pois a população passou a ter uma renda extra proveniente do aluguel de casas (ou partes delas), empréstimo de objetos pessoais ou decorativos e até da figuração em algumas cenas.
Que o diga o aspirante a ator José Nunes, o famoso Zé do Cila. Esse simpático e falante senhor de 65 anos administra uma loja tradicional de artesanato que 'vende de tudo', mas parece mesmo não esquecer da época em que trabalhou como figurante no belo 'Cinema, Aspirinas e Uurbus'.
“Eu não tenho riquezas, mas agora eu sou uma celebridade”, confessa Nunes, que também trabalhou como dublê do ator Rogério Cardoso que interpretava o Padre João, em 'O Auto da Compadecida'.
Mas se em terras caririenses todo mundo pode ser ator, nem o bode fica de fora e, anualmente, um deles vira até rei.
Durante os três dias da 'Festa do Bode Rei', a região assiste a uma curiosa homenagem a esse caprino símbolo da região que inclui desfiles do animal para a escolha da Família Real (Isso mesmo. Em Cabaceiras coroa-se um bode local que será o monarca da cidade até a próxima festa), exposições, apresentação de grupos folclóricos, competições e até preparação de pratos típicos, como a 'bodioca', uma tapioca recheada com a carne do (pobre) homenageado. O evento marca também a abertura do São João na região do Cariri.
E se o que 'tava' encantado 'inda' vira fabuloso, como se diz em uma das letras da trilha sonora do documentário sobre o surfista Fábio Gouveia, outra figura paraibana famosa mundo afora, o cenário natural de Cabaceiras não poderia deixar de encantar o visitante que visita aquelas terras distantes e isoladas que um dia ficaram conhecidas, injustamente, por sua pobreza e aridez.
Para o viajante (cinéfilo ou não) qualquer esquina daquela caatinga de visual fotogênico é capaz de fazê-lo sentir dentro de algum set natural de cinema. Atrativos naturais como o Lajedo do Pai Mateus e a Saca de Lã, duas misteriosas áreas rochosas da Serra da Borborema, garantem sensações que nem o cinema é capaz de garantir.
A primeira é um impressionante 'jardim' de milenares blocos de granito arredondados que chegam a pesar 45 toneladas cada. Aquelas imensas bolas de pedra, que no pôr do sol enlouquece qualquer fotógrafo amador, parecem tirados de alguma obra de ficção científica. O local, que os estudiosos acreditam ter origem vulcânica, abriga a pedra que dá nome à atração devido a um suposto ermitão que morou na região e outra curiosa formação rochosa cujo nome 'Capacete' dispensa explicações demoradas.
A Saca de Lã, cujo melhor horário de visita é pela manhã, é outra parada que chega a paralisar e tirar o fôlego de quem cruza a pequena trilha entre mandacarus, facheiros e xique-xiques. Seus inacreditáveis blocos empilhados uns sobre os outros ainda confundem as ideias até dos guias locais que, durante o passeio, não se cansam de lembrar as histórias protagonizadas por personagens folclóricos locais como Comadre Fulozinha, a guardiã da mata que costumam fazer travessuras para defender a Natureza da ação do Homem.
Em Cabaceiras tudo parece mesmo coisa de cinema.