Osvaldo Meira Trigueiro
Professor/pesquisador do PPGC/UFPB.
Rede Folkcom.
Comissão Paraibana de Folclore
Era uma vez, é sempre assim que se inicia uma história contada pelo povo, é sempre assim que começa um conto popular, é sempre assim que são contadas as narrativas maravilhosas do mundo fantástico dos reis, rainhas, príncipes, princesas e heróis do povo, passadas de geração em geração pela tradição oral há milhares de anos e agora, mais uma vez, chega à tela da Globo, pelas tramas criadas pelas novelistas Thelma Guedes e Duca Rachid. O mundo maravilhoso do reinado de Seráfia atravessa o mar e chega a Brogodó, uma cidadezinha imaginária do sertão nordestino localizada na beira do Cânion do Xingó do Rio São Francisco e assim a novela das seis vai encantando a audiência todas as noites com média de 28 a 30 pontos. Significa dizer que cerca de 50 mil domicílios da área metropolitana da Grande São Paulo estão ligados na TV Globo assistindo a novela.
Era uma vez, na narrativa oral folkcomunicacional significa um tempo e um espaço imaginários, que pode ser em qualquer lugar ou mesmo em lugares diferentes ao mesmo tempo e espaço, sempre ligado a um passado, pode ser até mesmo um lugar de são nunca, ou mesmo uma localidade hibrida do mundo real, do mundo ficcional e do mundo do lúdico.
Não é por acaso que são cada vez mais frequentes as adaptações de temas da narrativa popular, principalmente o cordel e o conto popular, para a televisão, até por que ambos pertencem ao mundo do real, da ficção e do lúdico. Portanto, o espetáculo popular com suas estratégias folkcomunicacionais é uma criação muito antes da invenção do espetáculo midiático, tem suas origens na commedia dell’arte, nas apresentações nas ruas, nas feiras e nas praças na Idade Média e que se consolida como espetáculo, já próximo ao que assistimos hoje. O sucesso da ficção seriada televisiva, sem dúvida, está na origem das narrativas populares e essas hibridizações entre narrativas populares tradicionais e as narrativas midiáticas são quase sempre sucesso de audiência por que ambas são fascinantes, estão impregnadas no imaginário do povo brasileiro, uma através da tradição oral e a outra pelas novas tecnologias da comunicação.
Os espetáculos fazem parte das diferenças culturais e através dos acontecimentos ganham visibilidades em proporções maiores na sociedade midiatizada. Na sociedade globalizada os espetáculos estão infiltrados, são partes integrantes não só da ficção, mas também da nossa vida cotidiana do mundo concreto e do mundo abstrato. A novela Cordel em Encantado é uma mistura da luxúria da corte do Rei Augusto no palácio Real de Brogodó, com Cesária – a Gata Borralheira da cozinha do palácio –, com a vida sofrida dos pobres e injustiçados que moram nos casebres da Vila da Cruz. E para instigar a trama ainda mais, a analogia do bando de Herculano do mundo da ficção, com o bando de Lampião o Rei do Cangaço do mundo do real, com as peripécias do prefeito de Brogodó, com a covardia e o medo que o delegado Batoré tem dos cangaceiros e com a subserviência da elite local ao arbitrário “coronel” Timóteo que desperta na audiência desejos de justiça. Tudo isso misturado é um prato cheio para conquistar, cada vez mais no desenrolar da novela a audiência dessa ficção seriada.
Portanto, esse jogo de interesses, o jeitinho brasileiro, a malandragem, a mentira, as astúcias, os crimes sensacionalistas, as aventuras dos bandoleiros, os milagres dos santos e as aparições do diabo em figura de gente são significações de valores aceitos nos contextos dos espetáculos populares e dos espetáculos midiáticos. Ou seja, Cordel Encanto é uma narrativa folkcomunicacional ao mesmo tempo do mundo da ficção, do mundo do lúdico e do mundo do real, contada por Thelma Guedes e Duca Rachid, do jeito que o povo brasileiro gosta.
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