“João Pessoa é a cidade túmulo do carnaval”. A frase é dita pelo escritor Wills Leal enquanto, em sua memória, ecoam as marchinhas que embalavam os carnavais de outrora. “Na década de 1950, o carnaval pessoense atraía 60 mil pessoas quando a população ultrapassava pouco mais de 100 mil habitantes. Era uma festa de animação, com foco no Centro Histórico, onde se brincava com tranquilidade em pequenos blocos carnavalescos”.
Segundo Leal, que recebeu o título de cidadão pessoense ano passado, cerca de 40 pequenos blocos se encontravam para entoar as 'marchinhas do ano', que tocavam na grade de programação da Rádio Tabajara e nos gramofones da cidade: “Eram músicas de 95 anos atrás que ainda são cantadas até hoje”, conta o escritor. “Versos que fazem parte da cultura brasileira, que em nada pareciam com esta música de trio elétrico em que o que vale é a potência e o malabarismo sonoro, elementos que mascaram a identidade carnavalesca e que dão ao evento um caráter eminentemente comercial”, dispara.
Nostálgico, o também pesquisador de cinema diz guardar uma cópia em vídeo da eleição da primeira 'miss' das Virgens de Tambaú, bloco que comemorou, domingo passado, entre confetes e serpentinas na avenida Epitácio Pessoa, as bodas de prata de seus 25 anos.
Wills elogia os grandes blocos que atuam no 'Folia de Rua', como as Virgens, o Cafuçu e as Muriçocas do Miramar, mas critica a opção dos foliões por uma trilha sonora “que às vezes nem é ouvida”: “O carnaval de hoje é um carnaval de plástico que tem sido feito com desrespeito ao sono alheio, ao trânsito, à integridade física do cidadão e, mais ainda, aos equipamentos turísticos da cidade, já que bares e restaurantes fecham em pontos de circulação estratégicos”.
Colecionador de um vasto acervo fotográfico da época, Wills Leal lembra da tradição dos carnavais em clubes e em bairros da cidade: “Havia estas duas frentes: a do carnaval de clube, feito pelas classes mais abastadas, e a do carnaval mais popular, organizado em bairros como Cruz das Armas e Jaguaribe”.
As agora chamadas 'prévias carnavalescas' não fazem, na opinião de Wills Leal, jus ao termo que lhe foi cunhado: “Em realidade não há 'prévias', já que não há carnaval em João Pessoa. O 'Carnaval Tradição', infelizmente, não representa a cidade, apesar de ser uma prova de resistência e batalha de pessoas humildes que tentam soerguer elementos do carnaval marginalizados pela elite cultural, como a ala ursa, as escolas de samba, as tribos indígenas e os clubes de orquestra”.
A dicotomia criada em torno do 'Folia de Rua' e do 'Carnaval Tradição' expressa, para Wills Leal, o 'apartheid carnavalesco' de João Pessoa: “Enquanto a classe média e o Poder Público se centram no 'Folia de Rua', as classes mais desfavorecidas fazem seu 'Carnaval Tradição' com um desfile que, a cada ano, parece reunir mais gente desfilando que assistindo”, declara.
Examinando o preto e branco de fotos esmaecidas pelo tempo e registrando as faces de fantasiados anônimos, que já aposentaram o passo em velhos carnavais, Wills Leal lamenta: “Não parece haver mais espaço para o carnaval de antigamente”.
Fonte: Jornal da Paraíba.
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