CAPÍTULO 6
Bananeiras ao amanhecer. Foto de Guy Joseph
BANANEIRAS E CAMPINA GRANDE
6.1. Bananeiras
Entre os meus 14 e 16 anos eu passava as férias de inverno entre as cidades de Bananeiras e Campina Grande.
Bananeiras, encravada na Serra da Borborema, na Região do Brejo Paraíbano, a uma altitude proxima de 526 metros, dista 70 km de Campina Grande e 140 km da Capital.
Nos tempos idos, sua economia girava em torno da cana de açucar e do café, do qual, chegou a ocupar a posição de maior produtor do Estado e segundo do Nordeste. Produzia, ainda, açucar mascavo, rapadura, mel de engenho e cachaça de cabeça. Era tão importante o município, que o seu ilustre filho, Solon de Lucena, quando governador da Paraiba, rasgou as serras e fez chegar, em 1922, o trem, símbolo de grandeza e progresso.
Em meus passeios, conheci velhos e conservados engenhos, onde a bolandeira movida por uma junta de boi que esmagava a cana de açucar. Nos galpões, ancoretas gigantes transpiravam cachaça pelas velhas táboas embebidas. Era gostoso o cheiro do bagaço fermentado, espalhado pelo pátio, chamado de bagaceira – palavra essa que originou o famoso romance do escritor paraibano José Américo de Almeida publicado em 1928.
Tudo isso juntos, fez diferente a organização social do campo e da cidade, cujas raizes e costumes vinham de Senhores de Engenho e Barões do Café, situação essa que fazia da relação patrão e empregado, muito diferente da do Sertão, onde o morador era um agregado da família.
Meu Padrinho Meirinha era Coletor Federal, função na época de muito importancia e prestígio, que chegava a rivalizar com o prestígio do Vigário da Freguesia e do Juiz de Direito.
Como diz o velho adágio -“eu era feliz e não sabia”. Em Bananeiras, geralmente eu ficava hospedado, por uma semana, na casa dos meus padrinhos Sérgio Meira de Carvalho e sua esposa Maria. Ele, portanto, era meu tio, por ser filho de Vovó Tessa. O casal gerou três filhas: Elza, Magna e Selma e, como não tiveram filho homem, me consideravam como tal.
Padrinho Meirinha e sua esposa Maria
Maria, sua esposa era uma pessoa simples, de bom coração e sempre prestativa, de modo que mantinha as portas abertas para mim. Na condição de afilhado, solteiro e visitante, eu era o centro das atenções de todos. Quanto as suas filhas, minhas primas, ainda hoje, mantemos viva nossa amizade.
Magna e Patrícia |
Dois fatos que ocorreram em Bananeiras que jamais esqueci: o primeiro, meu padrinho havia comprado um fusca novinho, o único na cidade. Ele tinha um tremendo ciúme do fusquinha, talvez mais do que de Maria, sua esposa. Saía pouco no carro e sempre, à noite, cobria o carro com uma lona, pois segundo ele, para evitar estragar a pintura.
Elza e o neto Barretinho |
Vizinho a cidade de Bananeiras, a uns 10 km, localiza-se o seu ex-distrito de Solânea, que fora emancipado e elevado a categoria de cidade, pelo Governador João Fernandes de Lima, no ano de 1953. À época, a estrada entre Bananeiras e Solânea era de barro e uma subida íngrime.
As minhas primas, principalmente, Magna, muito astuta, brincalhona e da minha idade, me “deu corda”, para pedir o carro ao meu padrinho, para que eu, na companhia delas, fossemos conhecer Solânea que, segundo elas, era mais bonita do que Bananeiras. Assim, começei a pedir emprestado o carro a padrinho Meirinha. No ínicio ele relutou! Meu padrinho, perguntou se eu sabia dirigir. Eu disse que sim. Na verdade eu só tinha dado algumas voltas no jeep Toyota, de papai. como também, não tinha carteira de motorista. Naquela época, no interior do estado, a fiscalização era precária. Diante da realidade presente, ele resolveu fazer um teste comigo. Então, saímos dando umas voltas pela cidade. Tudo saiu de acordo com o figurino. Fui aprovado no teste. Ele cedeu e as meninas vibraram! |
Selma e sua filha Sarah.
Programamos o nosso passeio para uma tarde, pois, Bananeiras, cidade serrana, pela manhã era muito fria devido a elevada umidade do ar cobrindo a paisagem com uma cerração rasteira que prejudica a visibilidade, de tal forma, que ao falarmos, parecia um trago de cigarro.
Após o almoço, tomamos o carro. Ocorre que na subida da serra tinha muitos pedregulhos que batiam por baixo da lataria do carro, como também, provocavam o carro a fazer zig...zag nas curvas, o que nos deixavam apreensivos.
Finalmente chegamamos no topo da serra, e vislumbramos uma topografia completamente diferente. Um chapadão com suaves ondulações no horizonte, com ruas largas e planas. Entramos em Solânea e percorremos seus quatro canto. Antes de voltarmos, paramos para tomar um refrigerante e fazer um lanche e, ainda preocupados com possiveis danos provocados pelos pedregulhos fizemos um pacto do “silêncio”. Ninguém iria contar nada. E, assim aconteceu. Deu tudo certo!
Noutra ocasião, padrinho Meirinha que tocava clarinete na banda da cidade, vez por outra, com seus amigos, muitos deles também músicos, promoviam saraus, tanto nas suas casas como no Clube de Bananeiras.
Então, ele entendeu que eu deveria aprender tocar clarinete ou saxafone. Daí, todas as noites, por pelo menos uma hora, ele se dedicava a me ensinar as primeiras notas. Abracei a ideia, pois, sempre gostei de música. Mas, apesar da dedicação dele e meu esforço em apreender, não saía uma só nota. Resultado - sem constrangimentos, desistimos! Claro que “com seus botões”, acredito que ele me dedicava alguns adjetivos...
Tudo passa. Promovido para chefiar a Inspetoria de Renda Federal em Campina Grande, padrinho Meirinha foi residir naquela cidade.
6.2. Campina Grande
Minhas férias antes passadas em Bananeiras foram transferidas para a “Rainha da Borborema”, Campina Grande. A viagem de Patos a Campina, demorava cerca de três horas, pois, dada a estrada que ainda era de terra, cheia de ladeiras e muitas curvas não se conseguia uma velocidade média de mais 60 Km por hora. Os acidentes eram constantes e encontrávamos muitos carros com suspensão e barra de direção quebrados etc.
Era uma aventura. Quando ultrapassavamos algum veículo, a poeira tomava conta do interior do carro, com direito a pedregulhos no parabrisa, o que obrigava a quem ia na frente, a colocar as mãos no para brisa, para evitar a sua quebra. A antiga estrada passava pela Serra da Viração, trecho perigoso que levava a maioria dos viajantes a rezarem quando trafegavam por ele; por Passagem, Salgadinho, Areia de Baraúnas, Estaca Zero, Juazeirinho, Soledade e, por fim, Campina Grande.
Quando chegavamos ao Serrotão, o vento frio já anunciava que logo mais estaríamos no açude de Bodocongó. Na época, Campina Grande, já era uma verdadeira Metrópole, polo de desenvolvimento regional, conhecida como o segundo polo algodoeiro do mundo ficando atrás apenas de Liverpool na Inglaterra. Era o maior centro comercial da Paraiba. Para ela convergiam atacadistas e varejistas de todo o Norte e Nordeste do Brasil.
Vale ressaltar também, que a cidade era e é um importante polo de couro, calçadista e educacional. Além disso, tem ainda uma feira que comercializa de tudo e, juntamente com a festa de São João, promovida anualmente no mês de junho, se realiza o “Maior São João do Mundo” que atrai visitantes nacionais e internacionais.
Campina Grande era a São Paulo do Nordeste. Os lanterneiros de automóveis, eram verdadeiros artistas. Recuperavam e produziam peças danificadas dos carros importados etc. A família Caroca era conhecida pela habilidade em cutelaria e calotas para automóveis. Essa habilidade projetou o nome da cidade em todos os rincões do País. Campina Grande tinha, também, um centro médico avançado para época.
Assisti muitos filmes nos cinemas Capitólio e Babilônia. A tarde na Praça da Bandeira, sentávamos nos bancos e saboreava pipocas, roletes que, de vez enquando, jogavamos os restos para os pombos e para os peixinhos vermelhos que embelezavam os aquários, abertos no meio das gramas e das roseiras. O ponto era muito bom, pois, dali víamos a saída das meninas do Colégio das Damas. Nos domingos pela manhã, às vezes assistíamos ao vivo o programa de calouros da Radio Borborema.
Era divertido ver a juventude disputando prêmios e cantando os sucessos do Rádio. Quem encerrava o programa geralmente era uma prata da casa, Gordurinha, Jackson do Pandeiro, Genival Lacerda e Marinês. Já à tarde, quando tinha futebol, iamos para o estádio Presidente Vargas ver o clássico Treze e Campinense. Maravilha!
Açude Velho em Campina Grande |
Tinha outras residências que eu me hospedava em Campina Grande. A do Dr. Pedro Nogueira de Morais Brito e sua esposa Dona Nereide que, quando foi Juiz de Direito da Comarca de Patos, teceu um forte laço de amizade com meus pais, comigo, meus irmãos e seus filhos: Pedro Aurélio e Floriano Brito. Tinha, ainda, a mansão dos Hamad, descendentes de árabes. O elo era tia Maria do Carmo, casada com o Sr. Aristides Hamad e pais do meu primo e amigo Omar, que faleceu muito jovem.
Papai tinha um sobrinho, Lúcio Vilar casado com Anete e que chegou a ser prefeito de Campina Grande, mas, no entanto foi cassado pela Revolucão. Já Anete era uma conceituada dentista. Tanto assim, que muitas vezes eu e minha irmã Selma íamos a Campina fazer tratamento dentário com ela. Tudo mordomia, tanto a hospedagem na casa deles quanto o nosso tratamento dentário. Havia, ainda, Lindmar, marido de Judith, nossa irmã afim. Lindmar, campinense da “gema”, mais que cunhado era um irmão. Passei várias férias na residência do senhor Napoleão e Dona Arlinda Nápoles pais de Lindmar e seus outros filhos também foram grandes amigos: Ciba, Dão, Marcos, Lourdes, Lenice, Laércio, Lúcia, Lucimar. Ciba foi vice-prefeito e presidente da Câmara de Vereadores de Campina Grande. |
Lindmar Medeiros e seu filho Napoleão |
Lindmar era o que se chamava antigamente caixeiro viajante. Hoje, promotor de vendas. Quando trabalhou na Cervejaria Antártica ganhou muitos prêmios, inclusive, o de escolher onde morar. Em uma dessas escolhas, voltou, com Judith, a residir na sua cidade natal, no bairro de José Pinheiro, onde por um bom tempo passei as minhas férias.
Na companhia desses familiares vivenciei muitos momentos de felicidades e alegrias, o que me ajudou a romper a dificílima barreira de dormir fora de casa, longe de meus queridos pais e, assim, chegar a ser um matuto caminhante pelo mundo afora.
Estou adorando, seu livro, ótimas recordações. 👏👏👏
ResponderExcluirEu li e gostei de relembrar tantos momentos de felicidades e hoje ainda estou feliz porque você ainda permanece bem bem da sua cabeça e um cidadão do bem e inteligente😘❤️
ResponderExcluirJudith Medeiros.
Obrigado. Beijos.
ExcluirMaravilhosa aventura. O Pedro Aurélio que falas, é o marido da Gerlane? Gostei de toda narrativa. Nunca tinha ouvido falar em Gordurinha. Parabéns.
ExcluirFoi bem lembtadokkk
ResponderExcluirNapoleão Medeiris
👏👏👏👏👏
ExcluirQue memória incrível padrinho de dias felizes , lembranças de pessoas que serão para sempre inesquecíveis, como meu pai♥️
ExcluirObrigada, te amo♥️
Aninha Medeiros
❤️❤️❤️
ResponderExcluirParabéns Carlos gostei muito, lembranças que não esquecemos, relembra e viver 2 vezes.
ResponderExcluirMeu tio Lindinar Medeiros foi umas das pessoas mais cativantes e cheio de vida que conheci. Saudades eternas.
ResponderExcluirLindimar corrigindo
ResponderExcluirParabéns Carlos.
ResponderExcluirGostei muito relembrar e viver é coisas lindas quê não volta mais e verdade primo tudo que você escreveu .👏🏼👏🏼👏🏼
Selma Meira.
👏👏👏👏👏
ResponderExcluirUma história de vida! Bem escrito e agradável de ler!.
ResponderExcluirObrigado.
ResponderExcluirCarlos Trigueiro adorei a narrativa toda. O Pedro Aurélio que falas, é o marido da Gerlane? Nunca ouvi falar no Gordurinha.
ResponderExcluirVívian de Oliveira
👏👏👏👏👏
ResponderExcluirCarlos muito bom o comentário sobre Bananeiras as nossas astúcias indo para Solanea no carro que papai tinha muito cuidado.Você era pra ele o filho que não teve.Para nós um ótimo irmão que mantemos amizade até hoje.
ResponderExcluirVerdade Magna. Obrigado e forte abraço.
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