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quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Um Matuto Caminhante. Capítulo 7 - Praia do Poço (Versão Preliminar)


CAPÍTULO 7

Calçadão da Praia do Poço


PRAIA DO POÇO

“Nosso cérebro é o melhor brinquedo já criado. Nele se encontram todos os segredos, inclusive o da felicidade”.

 Charles Chaplin.

7.1. A praia

                Tudo começou com o nascimento de Humberto, em 11 de dezembro de 1959. Era o filho de “rama”, como se diz no sertão. Em nossa casa tudo era motivo para comemoração. Foi aquela alegria da família e dos amigos mais próximos, com direito a muito licor, feito com frutas da região, tamarindo, genipapo, maracujá entre outros.
                 Com o passar dos dias, Nonô (Leonor, minha mamãe) e Mamãe (Tia Amélia que me criou) observaram que alguma coisa não estava bem com o desenvolvimento de Humberto. Imediatamente procuraram os médicos da cidade, objetivando um tratamento para a enfermidade que impedia a sua perfeita coordenação motora. Debalde.
            Enquanto a Russia, há dois anos, já tinha lançado o seu primeiro satélite espacial, o sputnik, que era o divertimento da meninada olhar aquele grande vagalume piscando no breu da noite. Porém, os recursos médicos de Patos, restringia-se a um obsoleto Raio X.
              Os médicos diagnosticavam as enfermidades com base nos sinais e sintomas externos. Pesava muito a sua experiencia profissional, como diz o matuto: “o doutor tem faro, acertou na doença e no remédio”.Eles sempre foram atenciosos e dedicados. Depois de vários e demorados exames, chegaram a conclusão que se tratava de um problema neurológico, e que infelizmente não tinham meios de cura, mas que podia ser monitorado, propiciando ao paciente  uma vida “normal” dentro de sua patologia.
             Foi uma pancada muito forte. As minhas duas guerreiras mães, ficaram zonzas, mas não cairam. Nonô, convoca uma reunião com todos os meus irmãos, que até aquele momento, inclusive eu, não sabíamos de nada. Sem muito arrodeio, foi  direta ao assunto. Como uma grande lider, falou: “o mundo não se acabou, não somos os primeiros nem seremos os ultimos! Nada de lágrimas, nada de compaixão! O que ele precisa é de carinho e amor! Portanto, peço que vocês devolvam em dobro para esta criança o amor que nós lhes damos! Não vamos criá-lo atrás das cortinas, somos cristãos, se Deus proveu, Deus  proverá! Abram uma garrafa de vinho para celebrar a nossa união”.
                Um pedido de nossa Nonô era uma ordem e numa só voz: “Sim Senhora!”  Não foi fácil, principalmente conter a curiosidade de muitos, que pensando consolar, diziam: os que sofrem desse tipo de doença não passa dos 18 anos. Sabíamos que o caso era irrevessível, mas, a fé e a esperança, jamais deixaríamos morrer, como, nunca deixamos. Até hoje, com mais de sessenta anos, ele recebe um tratamento e atenções especiais. 


 
Humberto, em Areia Vermelha na praia do Poço - Cabedelo


                 Lembro-me que recomendaram como terapia para melhorar os músculos, que consistia em tomar banho em águas mornas e na lama medicinal, por serem ricas em Magnésio e Sulfatos de Ferro, jorradas numa temperatura de 37° C - na Estação das Termas do Brejo das Freiras localizada no distrito de Pilões, município de Antenor Navarro, hoje denominado de São João do Rio do Peixe – na Paraíba.
         Papai, Nonô (Leonor) e Mamãe (Amélia), apesar da distancia de 174 Km, foram inúmeros fins de semana, ficando hospedados no Hotel da propria Estância. Não obtendo os resultados esperados, mas sempre esperançosos, levaram-no ao Recife, por ter uma medicina mais avançada.  Em uma das consultas, o famoso medico Dr. Vlademir Miranda recomendou banho de mar e de sol, pela manhã, pois, o ar puro e rico em iodo das praias, eram uma terapia adequada  em casos semelhantes ao de Humberto.
                  Papai e Nonô (Leonor) acatando a orientação médica, começaram a procurar uma praia que não fosse distante de uma emergência médica, e que o mar fosse calmo, uma vizinhança pacata, sem muito movimento, pois tudo isso seria bom para quem procura um refúgio com fins terapeuticos. Depois de percorrer varias praias, decidiram alugar  uma casa na Praia do Poço, no município de Cabedelo, ficando distante da Capital cerca de 15 Km.
                  Não me sai da lembrança a primeira viagem para o litoral. Acordamos as três da manhã, tomamos café e pegamos a estrada, a época, sem asfalto e muito esburacada. 90 Km depois, paramos em Juazeirinho. Eram seis horas.
                  Eu e meus irmãos Fernando, Osvaldo e George, ainda sonolentos, descemos do carro sentindo o vento frio do Cariri bater nos nossos ossos. Papai logo reconhecido pelo dono do café, o Sr. Vital, cidadão alegre e conversador que nos recebeu com um sonoro, bom dia! Sr. Carlos Trigueiro! Em que posso serví-los? Enquanto esperavamos o café, os quadros dos times de futebol pregados na parede e uns carrinhos de lata, atraiam a nossa atenção.
                  Duas horas depois, estavámos passando pelo açude de Bodocongó, em Campina Grande. Dai em diante a viagem rumo a João Pessoa era um alívio, pois, o trecho até a Capital já era pavimentada. Ao meio dia estavámos deixando a Avenida Epitácio Pessoa e pegando uma estreita via calçada com paralelepipédos, rumo a Cabedelo.
                  Na altura onde hoje existe o Carrefour, paramos esperando a liberação de caminhões carregados que vinham do porto de Cabedelo. Era o Posto Fiscal do Estado. Minutos depois estavamos entrando, à direita, numa estrada de areia e cascalhos rumo ao Leste. Coqueiros, cajueiros, araçás e mangabeiras dominavam a natureza. Finalmente chegamos ao centro da praia do Poço. Tinhamos duas opções: seguir a esquerda ou a direita. Papai, antes de entrar à direita, chamou a nossa atenção para uma grande palhoça coberta com palhas de coco: “ali serve uma peixada de garoupa ao molho de côco acompanhada de um pirão de farinha para ninguém reclamar, vamos tomar casa e depois voltar para o almoço”.
                  Este foi o meu primeiro contato com a famosa “Nega”, uma peróla descendente de uma linhagem nobre africana; proprietária do famoso Bar da Nega. Simples e carismática, além de ter a mão divina na arte culinária. Da sua cozinha com fogão a carvão e panela de barro, saiam deliciosos pratos de peixes, de frutos do mar etc.
                  A clientela era seleta. O seu tempero competia com os melhores e luxuosos restaurantes da Capital, como o Cassino da Lagoa, o Elite em Tambaú e o do Esporte Clube Cabo Branco. Ela era a estrela do Poço, a preferida dos politícos, industriais e comerciantes. A sua maior virtude era que nada disso modificava o seu modo de atender os clientes. As portas sempre estavam abertas para todos.     
                  Até meados dos anos 60, a Capital do Estado tinha como principal fonte de renda, o serviço público. Era conhecida como uma cidade de funcionários públicos, capital dos barnabés, sempre tranquila e calma. Suas praias eram praticamente desertas. Prevalecia a grande área de Mata Atlântica existente na faixa litorânea que favorecia a concentração de umidade e precipitação de muita chuva.

Nossa casa na praia do Poço - Cabedelo

                  

A família em frente a casa da praia do Poço - Cabedelo

                  A praia do Poço não era diferente. Poucas famílias que residiam o ano todo. Dentre elas destacamos os casais Geraldo e Mariza Smith; João e Irene Peixoto; Pedro Jorge e Corina; Geraldo e Ana Filgueiras, as famílias Chaves, Heim e Brandão. Com os quais a nossa família desde o primeiro dia sentiu-se em casa, com a solidariedade e hospitalidade que nos foi ofertada. Era uma mudança. Tudo era novidade, desde onde comprar o pão, até o abastecimento da água potável, haja vista que na época não havia água encanada e éramos obrigados a nos abastecer na fonte da Bica em João Pessoa.


Nôno (mamãe), papai, Marisa e Geraldo Smith, João Peixoto e Irene

                  Veraneava também na praia, o nosso conterrâneo, Prof. Antônio do Vale, numa casa de frente a nossa, que foi alugada ao Sr. Antônio Carvalho que tanto alugava como construia casas para vender. No verão de 1961, meus pais, vendo que Humberto gostava demais de tomar banho de mar e, sentindo o calor humano, o respeito demonstrado pela comunidade do Poço, tomou a decisão de adquirir um terreno e construir uma casa para veraneio. Tanto foi assim, que já em 1962, estávamos vereneando em nossa própria casa.
             Ficou tudo mais fácil. A casa foi toda mobiliada e equipada com tudo que necessitávamos para o nosso conforto. Com isso, na nossa adolescência, todas as férias de fim de ano, passamos na praia do Poço. Geralmente, a partir do mês de novembro até o início do mês de março do ano seguinte.     

              
George, Osvaldo, Humberto, Carlos e Fernando

                  Eram as férias mais importantes para mim e meus irmãos. Quando terminava o veraneio saíamos todos chorando. Conseguimos tecer um forte vínculo de amizade com os veranistas e moradores: Antônio Fernando, Sérgio, Fábio, Martinho e Júnior Smith; João Filho, Beto, Paulinho, Carmem Lúcia e Fátima Peixoto; Marco, Eugênio, Sônia e Lígia Filgueiras; Geraldo, Antônio, Nizita, Piedade e Margarete Carvalho; Sérgio e Selda Rolin; Alcy, Neneca (casou com meu irmão George), Alfredinho e Sonzinho Hein; Gilson e Carmen Melo; Juvenal, Luiz, Eliane e Marta Vieira; Jorge, Regina, Amélia e Carmetinha Chaves; Eduardo Barros; Celso, Rejane e Leda Delgado; Antônio e Noaldo Pergentino; Alcione, Pedro Jorge e Astrid Souto Maior; Ely, Eline e Eliane Justos; Tota, Armando e Virna Ribeiro; Marco e Jin Cantinzani; Joelson Machado; Flávio Torres; Chico e Beth de seu Narcísio; Jocelyn, Alberto, Luiz, Sônia e Ricardo Brandão; Tota de Onaldo; Everaldo Cantalice; Remilson e Fernando Honorato; Benício e Germana de Oliveira Lima; Júnior, Penha e Willys Wanderley; Juvêncio e Marcílio Almeida; Alberto, Socorro, Melita e Lola Barroca Falcão; Roosevelt Seixas; Socorro, Paulo, João e Fernando Guimarães; entre outros. A turma era unida e animada. Ninguém ficava parado por falta de um divertimento.


 

Areia Vermelha. Praia do Poço - Cabedelo 

                  Na época, a praia do Poço era um paraíso privado aos veranistas. Eudoro Chaves de saudosa memória, empresário de sucesso, proprietário de um tipografia era um amante dos esportes, principalmente do tênis e do volley. Além de um dos pricipais líderes da praia. Sob a sua liderança, e com o apoio das famílias ali residentes e dos veranistas, ele criou  Associação dos Amigos do Poço, sem fins lucrativo, com o fito de unir forças, para lutar na busca de melhorias para a praia do Poço. Era muito precária a infraestrutura urbana parecendo mais uma grande vila, sem nenhum planejamento urbano, poucas casas em alvenaria, sendo a maioria de taipa ou de palha.
                  Havia necessidade de uma representação para reivindicar serviços básicos, como limpeza, iluminação pública, água etc. Mas, o objetivo principal dessa agremiação era agitar com eventos esportivos para a juventude e os veranistas do Poço. No esporte promoveu campeonatos de futebol e voleibol. Nas festividades dava prioridade ao Natal e aos gritos de Carnaval em Areia Vermelha.
                  Tradicionalmente, à noite de Natal comemorava-se em família e cada uma organizava seu jantar, sendo o peru, o prato principal a ser servido depois da Santa Missa Natalina na Capela de Nossa Senhora de Nazaré. Os clubes não promoviam festas. Daí o espirito de unidade familiar da Associação do Poço em confraternizar através de uma grande ceia natalina para todos os associados. A festa era realizada no antigo pavilhão de venda de peixe, marco de  divisão dos lados Norte e Sul da praia do Poço, onde até pouco tempo foi o bar de Marcão, hoje destruído, formando um calçadão em torno da Capela.
                  Cada morador levava sua mesa, cadeiras, bebidas e comidas. O evento era animado por uma das melhores orquestra de salão da capital. Só terminava por volta das 05hs00 do dia seguinte, quando muitos aproveitavam o banho de mar para curtir a ressaca. Com o tempo a festa ganhou fama. Era a única na grande João Pessoa. Cada associado podia convidar uma familia. O pavilhão ficou pequeno. Quantas lembranças! Erámos felizes e não sabiamos.
                  A Associação não comemorava o revellion. A festa ficava por conta do clube Cabo Branco, com um magnífico baile carnavalesco, muitas vezes tocado por Severio Araújo e sua famosa Orquestra Tabajaras, do sul do País. 
               A praia era uma calmaria. Papai sempre foi animado, espirito de jovem, reunia-se com a velha guarda (Geraldo Smith, João Peixoto, Geraldo Filgueiras, João irmão de dona Marísa Smith), e numa grande mesa no jardim, ficavam bebericando, animados pelo pandeiro de Sr. Peixoto, saboreando pasteis e empadinhas de camarão, até às 23hs50. Então, todos em trajos de banho e copos na mão, caminhavam até o mar, aguardando a hora zero, entre fogos e drinks. Aí mergulhavam e quando emergiam, gritavam: Feliz Ano Novo! Era tudo muito simples, mas muito significativo.
                  A divisão geográfica da Praia, em Norte e Sul, tinha por objetivo localizar os moradores, já que não existia ainda placas e ruas organizadas. Esse fato acirrava uma certa rivalidade quando aconteciam jogos de futebol ou voleibol. Cada lado dizia ser melhor do que o outro. Arrefecida as emoções esportivas, todos voltavam a irmandade e iam, juntos, comemorar a vitória, nos famosos assustados na base da radiola  e cuba libre. Inesquecível.
                  Outra festa promovida pela Associação dos Amigos da Praia do Poço era o banho à fantasia em Areia Vermelha. Os participantes usavam fantasias de papel. Quando a maré começava a subir, entravam no mar e as fantasias desapareciam. As grandes atrações das fantasias em vários anos seguidos, foram as apresentadas por papai e o Sr. Peixoto.


Bloco Mela Mela da praia do Poço - Cabedelo


 
Inauguração da Caixa d’água da Praia do Poço - Cabedelo 


                  Da esquerda para direita: papai, Sr.Geraldo Smith, o Governador Ernani Sárito, Nonô (Leonor), na frente. Ao seu lado Dr. Ronaldo Tavares, patoense, Engenheiro da SUDENE, que veio na posição de Secretário de Infraestrurura, enriquecer a equipe do novo Governo. 
                  Dr. Ernani Ayres Sátiro, amigo velho, de quem papai, como udenista, era amigo e correligionário foi nomeado pelos  revolucionários de 1964, para o cargo de Governador da Paraíba. A imprensa local anunciava e era verdade, que o futuro governador mantinha na propriedade do seu cunhado, na praia de Camboinha, seu quartel general. Era lá que ele reunia os amigos e correligionários, objetivando compor sua equipe de secretários, para gerir os destinos da Paraiba.     

              

Dr. Chico Soares, Dr. Ernani e papai no Badionaldo na praia do Poço - Cabedelo.

       

                   No entanto, quando ele estava de saco cheio dessas conversas (cobranças) políticas, ele vinha desopilar na nossa casa da praia do Poço, na companhia dos conterrâneos - Major Geraldo e Dr. Chico Soares. Esses dois fiéis escudeiros, foram, no seu governo, Chefe da Casa Militar (Major Geraldo) e  Secretário do Interior (Dr. Chico Soares). Eram momentos de descontração, recordação das velhas histórias, risos, piadas etc. Só não se tocava em política.
                  O uisque Passaport rolava como se fosse um patinete de ladeira abaixo. A turma era uma “pipa”! Ficavam alegres, sem nunca perder a postura. Cada drink, tinha como tiragostos, petiscos e galinha de capoeira torrada na panela de barro. As 14hs00, Nonô servia um almoço caprichado, à base de frutos do mar. Vale ressaltar que ela e Dona Antonieta, esposa de Dr. Ernany, eram muitas amigas. Essas reuniões ocorreram diversas vezes, antes e depois, de sua posse no Governo do Estado da Paraíba.
                  Papai, homem experiente aproveitou a deixa, para fazer uma reinvidicação ao Governador, que quando assumisse o governo, realizasse um sonho e uma necessidade da comunidade do Poço: a água. 
                  Amigo velho, homem de palavra, garantiu que iria resolver o problema.  Dito e feito. Uma das primeiras obras do seu governo, foi a construção da caixa d’água e perfuração de um poço profundo – que jorrava água de boa qualidade.
                  A inauguracão foi uma festa. Haja whisky! O almoço, longe dos holofotes, foi na nossa casa. Foi um encontro do poder dos patoenses com a Associação dos Amigos da Praia do Poço, representada pelo casal Geraldo e Marisa Smith. O Secretário que determinou e executou a obra foi o dinâmico Dr. Ronaldo Tavares, irmão de um grande amigo meu - Francisco José, filho de Dr. Artur Tavares, figura histórica e de prestígio em Patos.
                  Naqueles tempos, de adolecência, as brincadeiras eram saudáveis. As famílias de veranistas gostavam de realizar festinhas, os insqueciveis “assustados”. – Os meninos e meninas, utilizando-se dos cochilos, dos adultos, aproveitavam para dançar, paquerar e namorar. Desses encontros originaram-se vários casamentos, entre os que cumpriram suas promessas de amor nos concertos a luz da lua, na voz e violão do saudoso Everardo Gurgel e sua parceira, a querida soprano Mércia. Recordo-me: George e Neneca; Fábio e Marta; Roosevelt e Melita; Sérgio e Fátima; Juvenal e Julieta; Luiz e Glícia; Beto e Eliane; Eduardo e Amélia; Antônio Fernandes e Maria Antônia; mais os concertistas, Everardo e Sônia, Remilson e Mércia, entre tantos outros.
                  Quando a gente estava com pouco dinheiro, queria beber e comer do bom, se dirigia para uma caiçara localizada na BR 230/Poço.  O dono do bar era Aluísio e sua esposa que, apesar da falta de estrutura, cozinhavam muito bem. Eles estavam começando e possuiam concorrentes fortes, os bares e restaurantes de Nega, Onaldo e Lucena. Apesar de tudo muito bom, os preços eram baixos. Era uma caiçara, protegida pela sombra de uma grande gameleira. O bar ficava na posição média do entroncamento  BR 230, beira mar do Poço.
                  Num certo dia estavámos todos lá, pois tudo que era de novidade atraía a nossa atenção. Depois de ingerir umas e outras, veio a vontade de ir ao WC. Como não tinha e o local era desabitado, o propietário apontava para atrás da velha gameleira. Beto Peixoto, como sempre foi austucioso, depois de umas idas, perguntou: “Aluísio, como é nome do seu bar?”... Não batisei ainda!” Respondeu ele. Aí Beto fulminou “Bar do Mijo” Caiu como um raio... Risada geral... Foi assim o batismo do mais famoso bar dos alcólatras nominados da Praia do Poço.


 

Bar do Mijo na praia do Poço - Cabedelo.


                  Terminada a farra no Bar do Mijo, dando continuação as brincadeiras da turma, a presepada era mudar os móveis dos terraços das casas dos nossos pais. Por exemplo: os móveis do terraço da minha casa, permutava com os da casa do vizinho, e assim sucessivamente. Pela manhã quando nossas mães acordavam, ficavam estarrecidas com a bagunça. Era o comentário geral : Quem eram os deliquentes de tamanha ousadia? Graças a Deus nunca descobriram os deliquentes salvo depois de prescrito  crime.
                  O amanhecer na praia do Poço, sempre foi um novo dia cheio de opções para se divertir ou fazer travessuras. A escolha do que fazer dependia do astral da turma e das marés. Maré alta, íamos explorar as matas de araçá e cajueiros na fazenda dos Marinheiros, a poucos metros da nossa casa. Matéria prima para  suco de araçá, caju, e tira-gostos da cachaça.
                  Nas grandes marés, participavámos dos arrastões, com os pescadores, e assim, puxar as pesadas redes, por dois cabos de corda, com uns 100 metros de comprimento cada um. Um verdadeiro cabo de guerra. Quanta fartura. A rede vinha repleta dos mais variados frutos do mar: cação lixa, tartaruga, tainha, siri mole, camarão, lagostim,  sardinha etc. 
                  Quando não tínhamos nada a fazer íamos para as ruínas da Igreja de Nossa Senhora de Nazaré do Almagre. Uma construção feita pelos Franciscanos no tempo da colonização da Província da Paraíba, localizada na propriedade do Sr. Álvaro Jorge, dono das baías de Ponta de Campina e de Intermares. 
                  Lá, sem sabermos do prejuízo que causavámos, rasgavámos as rochas de calcáreo, ao esculpir as letras iniciais dos nossos nomes, usando a ponta de um canivete Corneta. Nessa época ainda existia a estrutura do altar mor. Se pecamos pela nossa falta de informação sobre os danos causados a tão importante obra, pior é o descaso das autoridades da Paraiba de não preservar sua história.


 

Ruínas da Igreja de Nossa de Nazaré do Almagre na praia do Poço - Cabedelo 


Ruínas da Igreja de Nossa de Nazaré do Almagre na praia do Poço - Cabedelo 


                  Finalmente no início do ano de 2020 foram reservados, certamente por desígnios da Providência Divina, dois marcantes eventos de caráter sócio religioso com grande impacto no seio das Comunidades da Praia do Poço.

7.2. O carnaval na praia

                  Fábio Smith sempre foi uma pessoa criativa e irriquieta. Da nossa turma da praia do Poço era o irreverente que sempre tinha uma piada pronta. Como todos nós gostavámos de carnaval, Fábio criou um bloco carnavalesco, que no ínício não tinha grandes pretenções. No entanto, com o decorrer do tempo o bloco, foi incorporado à Folia de Rua do carnaval da Grande João Pessoa.


Fábio Smith.


Concentração do Bloco Bicho de Pé na praia do Poço - Cabedelo


Banda do Bloco Bicho de Pé na praia do Poço - Cabedelo


                  O nome do bloco é Bicho de Pé. Onde a barra é pesada, com muita alegria, cachaça e frevo no pé. Fábio colocou porque na época a praia do Poço tinha muitos desses bichos. Era gostosa a coceira provocada por esses nos dedos e sola dos pés. Para se livrar deles, só tinha um jeito: Extraí-los com uma ponta de agulha, com todo o cuidado para não estourar a bolsa, pois, caso ocorresse, teria com certeza uma infestação em todo o pé.


A dupla Osvaldo Trigueiro e Fábio Smith, em matéria de carnaval são Tomé e Bebé.


7.3. A vida na praia e o Badionaldo

                        Na praia tínhamos a liberdade de fazermos de tudo. Jogávamos futebol e voleibol. Fiz parte da seleção da praia do Poço, inclusive, fiz parte da seleção de volieibol que disputou o torneio entre as praias de Tambaú, Poço e Formosa, que eram compostas dos melhores atletas da Paraíba. A nossa equipe era constituída por: Remilson Honorato, Sérgio Rolim, Ely Justos; Valderedo Nunes; Paulinho Peixoto Dácio e eu que exercia função de levantador. 
                  Outra atração que deixou muitas saudades foi a Boate Senzala de propriedade  do nosso querido e saudoso amigo Sérgio Smith (in memoriam).


Inauguração da Praça Geraldo Smith na praia do Poço - Cabedelo



Badionaldo na praia do Poço. 


                  O Badionaldo foi criado em 1958. O restaurante de Nega, já era famoso, e fazia-se necessário um concorrente.  Surge, assim, o Badionaldo. Onaldo inteligentemente, aproveita dessa oportunidade para abrir um bar com uma variedade de deliciosos petiscos a base de frutos do mar, como  alternativa para atender a crescente demanda de visitantes e veranistas.
                  Quando começamos a veranear, a sua estrutura era simples. Tinha a coberta de palhas de coqueiro. Como forma de conquistar a freguesia da juventude, construiu no terreno ao lado uma quadra de voleybol e de futebol de salão, com iluminação para os jogos noturnos. A quadra passou a ser o Hot Point da juventude e local, onde foram realizadas memoravés disputas esportivas.
                  O ensopado de caranguejo ou de camarão, acompanhado de um pirão amarelo e arroz branco, sempre aprovados pelos turistas europeus e americanos que visitavam a praia do Poço. A receita do pirão é secreta. Eu e meus amigos erámos fregueses de carteirinha, por qualquer motivo, estavamos bebericando no Badionaldo. Com o aval do garçom Agripino, fazíamos até “pendura”, que só era paga nos fins de semana, quando recebíamos a mesada dos nossos pais. 


Ensopado de Garangueijo do Badionaldo.



                  O Badionaldo foi palco de várias história entre elas foi a que aconteceu com meu irmão Fernando e nosso amigo Garibaldi Soares que veio passar uma semana conosco.
                   Para não incomodar papai, Nonô e Mamãe, as nossas dependências ficavam no quarto fora do corpo da casa; pois, não tinhamos hora para chegar nem para acordar, viviamos num paraiso. Como Fernando tinha passado no vestibular de economia na Escola Francisco Mascarenhas de Patos, motivo para tomarmos um pileque logo após a partida de futebol de salão.
                  Com pouco dinheiro, sozinhos no bar, pedimos um litro de montila, uma coca e uma porção de ensopado de caranguejo. Já estavámos alegres, quando de repente para ao lado, um Ford Galaxi placa bronze, GE-01. O motorista era a única pessoa que estava no veículo e só depois resolveu sair do carro. 
                  Surpresa geral. Aquela figura magra, de palitó branco, camisa social sem gravata, chapeu panamá na cabeça, olhou para nós e sentou-se à mesa ao lado. Era nada mais, nada menos, do que o Governador João Agripino. Ele era fregues assíduo do Bar de Nega, que naquelas alturas da noite estava fechado. Antes de qualquer coisa, ele perguntou para nós se poderia sentar em nossa companhia.
                  A resposta foi - sim Excelencia... Então, com um sorriso ironico, nos diz: “excelencia é no Palácio, aqui eu sou João Agripino”. Solicitou umas doses de rum puro, bem como não largava o cigarro. Em seguida perguntou de onde éramos, quem eram os nossos pais e qual o motivo da nossa comemoração. Fernando responde: eu passei no vestibular da Faculdade de Economia de Patos, e logo em seguida, perguntou: “Na sua experiência, Governador, qual a contribuição que a Escola de Economia de Patos pode dar a Paraíba?”
                  A resposta foi típica do seu caráter - Meu jovem, não quero estragar a sua festa, mas lhe digo o seguinte, se a Federal de João Pessoa nada contribui, imagine a de Patos” .
                  Demourou mais um pouco, terminou suas doses, chamou o garçon, e perguntou quanto custa a minha despesa? Em seguir, tirou o correspondente da carteira, nos entregou, agradeceu a companhia e se foi. Putos da vida, achavamos que ele ia pagar a nossa farra. Mas o homem, era inteligente, sabia que se pagasse não estaríamos hoje narrando o seu gesto. A sua ímagem perante o povo paraibano era de um Governador honesto, austero e trabalhador, sabia construir a sua lenda.
               Infelizmente após 63 anos de atidades, a praia do Poço, ou mais ainda Cabedelo e a Paraíba perdem um dos maiores patrimônios gastrônomicos de nossa Estado. Apesar, de se ter notícias que ele será reaberto na praia do Seixas, litoral Sul da Capital, jamais será o mesmo.
                Quando visitei a Grécia, soube da historia dos Guerreiros de Sparta, onde o nascimento de cada criança, era controlado pelo governo,  os meninos já eram registrados como futuros soldados. Aquele que por infelicidade fosse portador de qualquer necessidade especial, seria arremessado imediatamente do alto de um penhasco. Fiquei horrorizado não externei a minha indignação, fiquei de pé em terra de sapo, senti que no pulsar das minhas veias correm o sangue latino de guerreiros Cristãos, os meus amados Pais. Foi graças a Humberto que desfrutamos de todas as aventuras e alegrias na praia do Poço.


A primeira versão do Badionaldo na praia do Poço - Cabedelo

Foto cedida por Antônio Fernando Smith 


Areia Vermelha vista do Calçadão da praia do Poço - Cabedelo

52 comentários:

  1. Beleza ! Quantas saudades do Poço.

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  2. Parabéns Carlos !vc descreveu em detalhes nossa juventude nã inesquecível praia do Poço e moradores da época até hoje .Faltou os roubos de galinha de madrugada pela rapaziada…

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  3. Excelente. Meu avô materno foi veranista de lá. Frequentei muito o badionaldo, o pirão amarelo é inesquecível

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  4. Que fatos bonitos , merece serem lembrados abraço .
    Paulo Costa Lina

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  5. Que maravilha, Carlos!
    Adorei ler seu texto, uma viagem no túnel do tempo!
    Que saudades dessa Praia do Poço, de uma época tão tranquila, tão maravilhosa.
    Obrigada por compartilhar!😊
    Carmen Mello.

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  6. Carlos Trigueiro gostei muito.
    Eneide Rejane de Mello

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  7. Carlos Trigueiro que maravilha de texto!! Parabéns por retratar tão bem, memórias lúdicas e expressivas de um tempo e lugar!
    Brigida Brito

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  8. PREZZAD'AMMIGGO Carlos Trigueiro, nosso maior (e preferido) "globe trotter": como fazer para publicar aqui mesmo os seis capítulos anteriores? Aliás, publicar, "al fim e ao cabo", TODOS os capítulos que compõem seu magníficos e supermovimentado livro? (E bota movimento, digo, viagem, nisto!). Do jeito que Você fizer, estará bem, contanto que o leitor receba esses presentes lítero-peripatéticos! 😉
    Evandro Nóbrega

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    1. Grande Evandro meu amigo de longas datas do nosso Patos. A honra é minha você postar na sua excepcional página. Forte abraço.

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  9. Uma descrição perfeita da praia do poço
    Meus pais adoravam e sempre frequentavam o célebre BAR DA NEGA.
    PARABÉNS CARLOS, um trabalho lindo.

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  10. PARABÉNS primo.. pelo belo trabalho. Excelente.
    Beatriz Meira.

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  11. Leitura agradável da sua biografia! Conhecendo a vida de JP ( me identificava mais com Recife) e a maneira despojada da sua vida familiar, tão rica em solidariedade com seu irmão!
    Gilda Wanderley Matos.

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  12. Que história espetacular são fatos que aconteceu que viajei no.passado obrigado. está de parabéns por relatar as verdadeiras histórias da praia do poço

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  13. Maravilha de reminiscências! Leitura por demais agradável! Parabéns!

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  14. Maravilha de reminiscências! Parabéns Carlos! Sucesso! Lembro de vocês veraneando no poço , uma turma do colégio certo verão vieram passaer, lembro que ficamos no imperador hotel ! Fomos ao poço à noite na casa de vocês! Lembro que encontramos George. Abraço!
    Mário do Ceo Sarmento.

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    1. Maria Do Ceo Sarmento pretendo lançar no 1o. trimestre de 2024. Abraço.

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  15. A nossa história faz parte de nós. Parabéns pela iniciativa.
    Saulo Montenegro

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  16. Linda história de grandes geurreiros, família maravilhosa! Parabéns Carlos,!!!
    Seríamos Heim

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  17. Amigo Carlos,para quem já lhe admirava há muito tempo,dedicar alguns minutos à leitura das suas memórias é um deleite!
    Altruísticamente e com extrema habilidade,Vc divide conosco as melhores passagens da sua vida! Parabéns! Gratidão! ( fiquei com a sensação de já ter lido suas histórias em uma outra época. Pode ser?! Abraço forte!

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  18. Maravilha! Parabéns Carlos!

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  19. Muito bom e verdadeiro. Ainda bem que estou lendo no tablet, pois as lágrimas iriam "manchar" o livro. Abraços fraternos. Viva Betinho

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  20. Meu abraço amigo e parabéns pela história da praia do Poço um relato tão perfeito que me emocionou … relembrando todos momentos e amigos que ja não estão aqui.
    Maria Elizabete Vieira

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  21. 👏👏👏👏👏 UMA PRAIA REFERÊNCIAL DE VERANEIO DA NOSSA PARAÍBA. Amigo CT🖋️FJ

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  22. Maravilha Carlos. Mande mais histórias da nossa querida praia. As presepadas de Sansão, Beto Peixoto, Sérgio e Fábio Smith, Eugênio e tantos outros daquele época maravilhosa
    Geraldo Smith Filgueiras.

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  23. Não tem como ler e não ficar fã dessa família, bem como não ter vontade de voltar no tempo e conhecer Patos. Sucesso total. Parabéns.

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  24. Obrigado Carlos,por presentear a nos antigos veranistas a oportunidade de reviver, os prazeres que a nossa querida Praia do Poço nos proporcionava. Era um verdadeiro paraíso
    Tempos felizes.

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  25. Carlos Trigueiro excelente este capítulo do livro a ser publicado.....descreve nossa realidade vivida na praia do Poço nos idos 60 e 70.....com simplicidade e harmonia sabíamos ser felizes apenas com a amizade ....tempo bom, amigo e parabens pela sua narrativa....abs em toda familia Trigueiro!!!
    Benício de Oliveira Lima.

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  26. Parabéns Carlos, excelente reportagem sobre a Praia do Poço de uma época recente passada. Como sugestão para aprimorar a sua excelente pesquisa, cito a boate cadeia e o bar de kebé ( Teimosa)
    Gilberto Farias de Sousa

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  27. Hoje, ao perder o sono, fui surpreendida, com esta linda historia de amor ao Poço .lindas e saudosas recordações , que nunca perderemos de vista.recordações essas, que nos faz lembrar que eramos felizes, mas sabíamos. Obrigada Carlos.Forte abraço. Boa noite.

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  28. Carlos, hoje fui presenteada, por lindas recordações de amor ao Poço. Eramos felizes e sabíamos, até hoje parece estamos vivendo tudo outra vez. Saudades. Obrigada Carlos

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