Recebi há duas décadas um presente que guardo com muito
carinho. Foi livro da CBBA – Castelo
Branco e Associados Propaganda S.A, edição especial e fora do comércio.
A partir de agora iremos reproduzir através de várias
postagens este livro relíquia da propaganda e do marketing brasileiro.
“Existe um estilo
brasileiro de propaganda? Eis uma tese que tem despertado o interesse de muitos
de nossos melhores profissionais. Rodolfo Lima Martensen, Orígenes Lessa,
Sangirardi Jr., Caio Domingues, Hiram Castello Branco, Ricardo Ramos, entre
outros, têm voltado sua atenção para essa tese fascinante. Diante da pergunta,
Ricardo Ramos respondeu categoricamente sim. E define esse modelo
brasileiro de propaganda como sendo ‘o irreverente e o ingênuo, a sátira e a
rima, o humor mestiço e o nacionalismo verde-amarelo’. ‘Há um forte impulso nas
suas manifestações mais puras, diz Ricardo, que não se detém de tabus:
religião, política ou sexo. E sendo assim espontâneo, e alegre, e solto, facilmente
se distingue como um padrão no quadro de nossa propaganda’.
Os criados desse
modelo de propaganda brasileiro foram os escritores e poetas da geração
pré-profissional: Casemiro de Abreu, Olavo Bilac, Guimarâes Passos, Hermes
Fontes, Bastos Tigre, Emílio de Menezes, Guilherme de Almeida, e o mais notório
deles – Monteiro Lobato.
E depois? Depois veio
o profissionalismo e, com ele, a internacionalização e a perda do sentido
verde-amarelo.
Todos nós, a partir de
então, nos entregamos ao fascínio das técnicas americanas. Elegemos os padrões
americanos como ideal publicitário, como objetivo a alcançar, como gol e
aspiração profissional.
Para aderirmos a
sofisticação mas acaraterísticos padrões internacionais, esquecemos nossas
raízes, ignoramos os valores culturais barsileiros e os caminhos pioneiros da
Casa Mathias, com o bigodudo Mathias e Dona Virgolina; do Dragão em frente à
Light, que pretensiosamente virou a Light em frente ao Dragão; dos lábios se
entreabrindo nas sílabas de Lu-go-li-na; do ‘belo-tipo-faceiro-que-o-senhor-tem-ao-seu-lado1;
e desse extraordinário Jeca Tatu,
que virou símbolo nacional.
Claro que esses eram
caminhos primários e amadorísticos. Mas caminhos abertos por amadores que
tinham o sentido da comunicação popular, da linguagem autêntica,
caracteristicamente nossa.
Não pretendo eleger
esses exemplos em modelo de uma propaganda brasileira. Mas me agrada especular
onde teríamos chegado se não tivéssemos renegado nossas raízes para nos
entregarmos, como passivos adoradores, às deusas do Madison Avenue.
Vejam bem: sempre
valorizei a contribuição das chamadas agências internacionais para o
desenvolvimento técnico e ético de nossa profissão no Brasil. E continuo a ter
o maior respeito pelo trabalho da Thompson, da N. W. Ayer, da McCann Erickon,
que foram as grandes escolas de propaganda e marketing deste país. Nossa dívida
para com essas empresas é muito grande. Mas não é este o ponto. O que eu quero
dizer é que poderíamos absorver suas avançadas técnicas de marketing e
propaganda, conservando a autencidade de nossas raízes e nossos valores
culturais.
Também não desejo
parecer culturalmente jacobino, ou antagônico às correntes do pensamento e da
arte universais.
Mas por que não
podemos fazer pela propaganda brasileira o que Villa-Lobos fez pela música,
Jorge Amado pela literatura, Di Cavalcanti pela pintura?
Isto é, atingir o
universo através do regional; ou melhor, universalizar os valores nacionais.
Como Villa-Lobos, que construiu suas bachianas a partir de motivos
autenticamente brasileiros; como Jorge Amado, que fez o mundo inteiro amar a
Bahia; como Di Cavalcanti, que colocou nossa mulata ao lado da Vênus de Milo,
da Afroditede Praxíteles, e de Marilyn Monroe.
É neste sentido
salutar que se verifica, hoje, um movimento de retomada de uma linguagem
brasileira.
Hiran Castello Branco,
no 3º Congresso Brasileiro de Propaganda realizado em São Paulo, em 1978,
apresentou uma tese sobre uso e preservação da cultura nacional na propaganda.
‘O estímulo à cultura, escreveu então, como forma de elevar a auto-estima de um
povo, deve ser adotado, sempre que pertinente, na medida em que serve à
necessidade maior de ajudar a formar a nação. O que se deseja é, portanto,
alertar para a importância de se preservar e estimular o uso de nossa linguagem,
sempre que a esfera das motivações de uso e o quadro de referências do
consumidor estejam na instância das culturas nacionais e regional ou local,
mantendo a consciência da importância deste procedimento para a formação
cultural do consumidor brasileiro, além de sua eficácia a nível técnico’.
‘Campanhas atuais,
continua Hiran, derivadas de desafios de violeiros, sambas-de-breque, tradições
do interior, têm sido uma constante, a demostrar que o fenômeno é perene. Cabe
mesmo ressaltar que, em muitos destes casos, os anunciantes são empresas
multinacionais’.
Foi com este objetivo
que a CBBA, Castelo Branco e Associados,
criou o Prêmio Jeca Tatu, que visa distinguir anualmente as campanhas de
propaganda que melhor valorizam a nossa cultura, e que tem sido prestigiado
pela Academia Brasileira de Letras na pessoa de seu Presidente, o acadêmico
Austregésilo de Athayde.
Este prêmio instituído
pela CBBA recebeu o nome de ‘Jeca Tatu”, como homenagem à
obra-prima da comunicação persuasiva de caráter educativo, plenamente
enquadrada na missão social agregada ao marketing e à propaganda, que é o ‘Jeca Tatuzinho’.
Ao reproduzir, nesta
publicação, uma das primeiras edições deste trabalho – de que já foram
impressos até hoje mais de 100 milhões de exemplares -, a CBBA se associa às
comemorações do centenário de Monteiro Lobato, pioneiro no uso da linguagem
brasileira na propaganda”.
Renato Castelo Branco –
Presidente do Conselho Diretor.