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sábado, 8 de dezembro de 2012

Jeca Tatu e a propaganda brasileira


Recebi há duas décadas um presente que guardo com muito carinho. Foi livro da CBBA – Castelo Branco e Associados Propaganda S.A, edição especial e fora do comércio.

A partir de agora iremos reproduzir através de várias postagens este livro relíquia da propaganda e do marketing brasileiro.

“Existe um estilo brasileiro de propaganda? Eis uma tese que tem despertado o interesse de muitos de nossos melhores profissionais. Rodolfo Lima Martensen, Orígenes Lessa, Sangirardi Jr., Caio Domingues, Hiram Castello Branco, Ricardo Ramos, entre outros, têm voltado sua atenção para essa tese fascinante. Diante da pergunta, Ricardo Ramos respondeu categoricamente sim. E define esse modelo brasileiro de propaganda como sendo ‘o irreverente e o ingênuo, a sátira e a rima, o humor mestiço e o nacionalismo verde-amarelo’. ‘Há um forte impulso nas suas manifestações mais puras, diz Ricardo, que não se detém de tabus: religião, política ou sexo. E sendo assim espontâneo, e alegre, e solto, facilmente se distingue como um padrão no quadro de nossa propaganda’.

Os criados desse modelo de propaganda brasileiro foram os escritores e poetas da geração pré-profissional: Casemiro de Abreu, Olavo Bilac, Guimarâes Passos, Hermes Fontes, Bastos Tigre, Emílio de Menezes, Guilherme de Almeida, e o mais notório deles – Monteiro Lobato.

E depois? Depois veio o profissionalismo e, com ele, a internacionalização e a perda do sentido verde-amarelo.

Todos nós, a partir de então, nos entregamos ao fascínio das técnicas americanas. Elegemos os padrões americanos como ideal publicitário, como objetivo a alcançar, como gol e aspiração profissional.

Para aderirmos a sofisticação mas acaraterísticos padrões internacionais, esquecemos nossas raízes, ignoramos os valores culturais barsileiros e os caminhos pioneiros da Casa Mathias, com o bigodudo Mathias e Dona Virgolina; do Dragão em frente à Light, que pretensiosamente virou a Light em frente ao Dragão; dos lábios se entreabrindo nas sílabas de Lu-go-li-na; do ‘belo-tipo-faceiro-que-o-senhor-tem-ao-seu-lado1; e desse extraordinário Jeca Tatu, que virou símbolo nacional.

Claro que esses eram caminhos primários e amadorísticos. Mas caminhos abertos por amadores que tinham o sentido da comunicação popular, da linguagem autêntica, caracteristicamente nossa.

Não pretendo eleger esses exemplos em modelo de uma propaganda brasileira. Mas me agrada especular onde teríamos chegado se não tivéssemos renegado nossas raízes para nos entregarmos, como passivos adoradores, às deusas do Madison Avenue.

Vejam bem: sempre valorizei a contribuição das chamadas agências internacionais para o desenvolvimento técnico e ético de nossa profissão no Brasil. E continuo a ter o maior respeito pelo trabalho da Thompson, da N. W. Ayer, da McCann Erickon, que foram as grandes escolas de propaganda e marketing deste país. Nossa dívida para com essas empresas é muito grande. Mas não é este o ponto. O que eu quero dizer é que poderíamos absorver suas avançadas técnicas de marketing e propaganda, conservando a autencidade de nossas raízes e nossos valores culturais.

Também não desejo parecer culturalmente jacobino, ou antagônico às correntes do pensamento e da arte universais.

Mas por que não podemos fazer pela propaganda brasileira o que Villa-Lobos fez pela música, Jorge Amado pela literatura, Di Cavalcanti pela pintura?

Isto é, atingir o universo através do regional; ou melhor, universalizar os valores nacionais. Como Villa-Lobos, que construiu suas bachianas a partir de motivos autenticamente brasileiros; como Jorge Amado, que fez o mundo inteiro amar a Bahia; como Di Cavalcanti, que colocou nossa mulata ao lado da Vênus de Milo, da Afroditede Praxíteles, e de Marilyn Monroe.

É neste sentido salutar que se verifica, hoje, um movimento de retomada de uma linguagem brasileira.

Hiran Castello Branco, no 3º Congresso Brasileiro de Propaganda realizado em São Paulo, em 1978, apresentou uma tese sobre uso e preservação da cultura nacional na propaganda. ‘O estímulo à cultura, escreveu então, como forma de elevar a auto-estima de um povo, deve ser adotado, sempre que pertinente, na medida em que serve à necessidade maior de ajudar a formar a nação. O que se deseja é, portanto, alertar para a importância de se preservar e estimular o uso de nossa linguagem, sempre que a esfera das motivações de uso e o quadro de referências do consumidor estejam na instância das culturas nacionais e regional ou local, mantendo a consciência da importância deste procedimento para a formação cultural do consumidor brasileiro, além de sua eficácia a nível técnico’.

‘Campanhas atuais, continua Hiran, derivadas de desafios de violeiros, sambas-de-breque, tradições do interior, têm sido uma constante, a demostrar que o fenômeno é perene. Cabe mesmo ressaltar que, em muitos destes casos, os anunciantes são empresas multinacionais’.

Foi com este objetivo que a CBBA, Castelo Branco e Associados, criou o Prêmio Jeca Tatu, que visa distinguir anualmente as campanhas de propaganda que melhor valorizam a nossa cultura, e que tem sido prestigiado pela Academia Brasileira de Letras na pessoa de seu Presidente, o acadêmico Austregésilo de Athayde.

Este prêmio instituído pela CBBA recebeu o nome de ‘Jeca Tatu”, como homenagem à obra-prima da comunicação persuasiva de caráter educativo, plenamente enquadrada na missão social agregada ao marketing e à propaganda, que é o ‘Jeca Tatuzinho’.

Ao reproduzir, nesta publicação, uma das primeiras edições deste trabalho – de que já foram impressos até hoje mais de 100 milhões de exemplares -, a CBBA se associa às comemorações do centenário de Monteiro Lobato, pioneiro no uso da linguagem brasileira na propaganda”.

Renato Castelo Branco – Presidente do Conselho Diretor.


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