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segunda-feira, 3 de outubro de 2016

O que explica João Doria ir de 6% em julho à vitória no primeiro turno?

Em meados de julho, um mês antes do início da campanha eleitoral, João Doria tinha minguados 6% de intenções de voto em uma pesquisa do instituto Datafolha em São Paulo. Quatro adversários apareciam à frente dele, embora estivesse tecnicamente empatado, àquela altura, com o prefeito Fernando Haddad, candidato à reeleição pelo PT.

Numa campanha mais curta que em eleições anteriores, provavelmente nem o próprio candidato do PSDB fosse capaz de imaginar que, dois meses e meio depois, ele estaria comemorando o triunfo no primeiro turno para a Prefeitura da maior cidade do país. O que explica o crescimento que o levou aos 3.085.187 votos (53,29% do total) que lhe deram a surpreendente vitória em sua primeira disputa de uma eleição?

A arrancada de Doria se deu, praticamente, no último mês da campanha eleitoral. O candidato antes "desconhecido" do eleitorado, que surgiu com discurso falando em necessidade de "acelerar a cidade", "gastar sola de sapato", criticando o PT e repetindo o bordão "não sou político, sou gestor, sou empresário" (em uma eleição marcada pela rejeição à classe política), ganhou adesão de novos eleitores a cada semana de setembro, mostraram as pesquisas divulgadas ao longo do mês.

Um mês antes do início da campanha eleitoral, em 15 de julho, ele tinha 6% das intenções de voto, quando Celso Russomanno (PRB) tinha 25%, Marta Suplicy (PMDB) tinha 16%, Luiza Erundina (PSOL) tinha 10% e Fernando Haddad (PT) tinha 8%. Brancos, nulos, nenhum ou os que não sabiam em quem iriam votar eram, no total, 23%.
Em 26 de agosto, 38 dias antes do primeiro turno, em outra pesquisa do instituto Datafolha, Doria havia oscilado para baixo: 5%, num cenário em que Russomanno tinha larga vantagem sobre os adversários (31%), contra 16% de Marta, 10% de Erundina, 8% de Haddad. A soma de brancos, nulos, nenhum ou dos que não sabiam em quem iriam votar resultava em 24% dos eleitores da capital paulista.

Quando faltavam 24 dias para o primeiro turno, o Datafolha divulgou outra pesquisa: era o primeiro sinal do crescimento de Doria. O candidato tucano aparecia já com 16% das intenções de votos, tecnicamente empatado com Marta (dentro da margem de erro de três pontos), que aparecia com 21 (Russomanno tinha caído para 26% e Haddad aparecia em empate técnico com Erundina –respectivamente com 9% e 7%).

A pesquisa divulgada naquela sexta-feira, 9 de setembro, era a primeira do instituto a verificar as intenções de voto depois do início do horário eleitoral gratuito, que havia estreado exatamente duas semanas antes, em 26 de agosto. Dos concorrentes à Prefeitura de São Paulo, Doria foi o que contou com o maior tempo de divulgação no horário eleitoral. Dentro dos blocos diários de dez minutos levados ao ar às 13h e às 20h30, além das inserções de 30 ou 60 segundos que podiam ser exibidas das 5h à meia-noite, o tucano teve mais tempo: três minutos e seis segundos nos dois blocos diários, e mais 13 minutos e seis segundos diários nas inserções.

O que definiu essa vantagem no tempo de divulgação foi a regra que estabelece o espaço de cada candidato com base na representatividade da bancada de sua coligação na Câmara. Esse critério define 90% do tempo, com o restante dividido igualitariamente entre os partidos. A coligação "Acelera São Paulo", de Doria, foi formada por PSDB, DEM, PP, PPS, PV, PMB, PHS, PSL, PTdoB, PRP e PSB. Para efeito de comparação, a coligação Mais São Paulo, de Haddad (PT, PR, PDT, PCdoB e PROS), a segunda com mais tempo no horário eleitoral, tinha dois minutos e 35 segundos de bloco, com dez minutos e 54 segundos de inserção.

"Ele teve, em função da maior coligação [de partidos], o maior tempo de TV, e ele, por ser um candidato de muitas posses, foi automaticamente um candidato autofinanciado. Com essas ferramentas --TV e dinheiro--, ele pôde construir o discurso dele", analisa o jornalista Josias de Souza, blogueiro do UOL.

Para a cientista política Denilde Oliveira Holzhacker, contou o antipetismo para o salto de Doria nas pesquisas. "O discurso anti-PT foi muito forte, e o resultado [da votação] mostra que São Paulo é a polarização PT-PSDB. Desde 2002 a gente vê que isso se consolidou, e o resultado mostra que essa consolidação existe, mas ele ganhou também em cima do discurso anti-PT", diz Holzhacker. "É bom ressaltar que ele cresceu na campanha depois do horário eleitoral."

Doria usou os programas iniciais para se apresentar ao eleitorado, falando de sua trajetória como empresário e contando sua experiência em administração, colocando-se como o candidato "diferente".

O empresário dizia na campanha, em debates e entrevistas, ser favorável a aplicativos como o Uber, desde que "estejam regulamentados e paguem impostos", prometia promover campanhas de prevenção a acidentes e melhorar o sistema viário para pedestres e revisar a medida que reduziu velocidade de algumas vias em São Paulo, uma das bandeiras do petista Haddad. Ele prometeu também levar tecnologias como tablets, lousas digitais e internet wi-fi às escolas do sistema municipal.


Numa entrevista a emissoras de rádio, Doria prometeu doar todos os 48 salários de prefeito a instituições, caso fosse eleito. "Tenho dinheiro suficiente para viver o resto da minha vida sem trabalhar (...) Quero seguir o exemplo de Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York [que recebia o salário de 1 dólar por ano]", disse. No dia seguinte, nova pesquisa e mais crescimento.

Fonte: Irineu Machado
Do UOL, em São Paulo
03/10/2016.

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